Comentários gerais: prova fácil! Para aqueles que se prepararam de verdade, prova para tirar mais de 115.
Mais um ano em que comentamos todas as questões em sala... muito bom!
Parabéns aos meus alunos que já manifestaram que foram muito bem! Rumo à UFMG!
Questão 01
Em um trecho do diálogo Eutidemo,
Sócrates conta a Críton como discutiu com Clínias a possibilidade de haver uma
arte ou ciência que leve os homens à felicidade. Após descartar diversas artes,
eles dedicaram-se a considerar a “arte política”, identificada por eles com a “arte
real”, ou seja, com a arte do governo do rei. Todavia, o desdobramento do
diálogo mostra que também essa “arte política” ou “real” não pode exercer a
função de levar os homens à felicidade, porque sua ação não torna os homens
melhores eticamente. Eles constatam, assim, que chegaram a um impasse
na argumentação, isto é, uma aporia.
A esse respeito, leia o fragmento:
[SÓCRATES]
Mas que ciência então? De que maneira a usaremos? Pois é preciso que ela não
seja artífice de nenhuma das obras que não são nem boas nem más, mas sim que
transmita nenhuma outra ciência a não ser ela própria. Devemos dizer então que
é esta afinal, e de que maneira a usaremos? Queres que digamos, Críton: é aquela
com a qual faremos bons os outros homens?
[CRÍTON]
Perfeitamente.
[SÓCRATES]
Os quais serão bons em quê? e, em quê, úteis? Ou diremos que farão bons ainda
outros, e esses outros outros? Mas em quê, afinal, são bons,
não nos é claro de maneira nenhuma, já que precisamente desprezamos as obras
que se diz serem da política [...]; e, é exatamente o que eu dizia, estamos
igualmente carentes, ou ainda mais, no que se refere ao saber qual é afinal
aquela ciência que nos fará felizes.
[CRÍTON]
Por Zeus, Sócrates! Chegastes a uma grande aporia, segundo parece.
(PLATÃO, Eutidemo,
292d-e)
EXPLIQUE por que, segundo Sócrates e Críton, a
mesma arte não pode ser responsável por governar os homens e, simultaneamente,
torná-los bons.
A passagem
supracitada se refere ao último diálogo de Sócrates com Críton, que está na transição
da quarta para a quinta e última parte do diálogo. Neste momento, após longo
diálogo com Clínias, Sócrates chega com o menino em uma aporia, isto é, em uma
inconclusão, a mais importante do diálogo. A característica da arte que eles
buscam, denominada de arte real, aquela que poderia levar os homens à virtude e
à felicidade (eudaimonia) é que esta deve
produzir e saber utilizar aquilo que produziu. Neste caso, não pode ser a
política, uma vez que ela tem como produto a condução da cidade, do governo da
polis, mas isso não significa que ela garanta que os homens tornar-se-ão
melhores, ou seja, serão virtuosos, entendendo por virtude, para Sócrates, que
os homens poderão ter ações corretas, ou seja, eticamente corretas.
Questão 02
Leia a seguinte passagem do texto de
Hume, Do padrão do gosto:
Procurar
estabelecer uma beleza real, ou uma deformidade real, é uma investigação
tão
infrutífera como procurar determinar uma doçura real ou um amargor real.
Conforme a disposição dos órgãos do corpo, o mesmo objeto tanto pode ser doce
como amargo, e o provérbio popular afirma com muita razão que gostos não se
discutem. É muito natural, e mesmo absolutamente necessário, aplicar este
axioma ao gosto mental, além do gosto corpóreo, e assim o senso comum, que tão
frequentemente diverge da filosofia [...], ao menos num caso está de acordo em
proferir idêntica decisão.
(HUME,
David. Do padrão do gosto. In: Os Pensadores. São Paulo: Abril
Cultural,1992, p. 262).
O trecho acima corresponde a uma
passagem na qual Hume procura descrever a posição de alguns filósofos seus
contemporâneos para os quais o gosto é uma expressão de certos sentimentos e, desse
modo, não comporta uma decisão em termos de verdade ou falsidade, como ocorre
no caso de outros juízos nos quais emitimos nossas opiniões. Essa posição, caso
fosse correta, impossibilitaria o estabelecimento de um padrão de gosto, ou
seja, de uma regra capaz de conciliar as diversas opiniões dos homens no que
diz respeito ao valor de uma obra de arte, por exemplo. Segundo Hume, essa
posição coincide com o famoso provérbio de que gosto não se discute, o
qual, por sua vez, parece refletir o pensamento da maior parte das pessoas, ou
seja, do senso comum.
A) A partir do que foi dito acima, e
com base em outras informações contidas no texto, APRESENTE os
argumentos de Hume que problematizam esse famoso provérbio.
Este
trecho está justamente na passagem do
argumento em que Hume apresenta a opinião de que gosto não se discute para a
passagem de que o filósofo defende a existência de um padrão de gosto. O
provérbio que afirma que gosto não se discute encontra seu fundamento principal
na idéia de que o gosto, ou seja, a avaliação estética, está baseada unicamente
nos sentimentos despertados dentro do sujeito, estes de prazer ou desprazer, e
não nos julgamento ou pensamento, não tendo portanto nenhum referencial a não
ser ele mesmo. Desta forma, o sentimento está sempre certo uma vez que é
totalmente subjetivo, não sendo possível avaliá-lo como certo ou errado,
verdadeiro ou falso. E se o sentimento tem esta natureza, é absolutamente
incoerente estabelecer qualquer padrão de gosto, uma vez que a beleza ou a
deformidade estão baseadas nos sentimentos e por isso “gosto não se discute”. Nesta
mesma argumentação, Hume dirá também que se nas questões de opinião, moral e
ciência não existe um padrão, nas questões de gosto muito menos existiria um
padrão capaz de conciliar as várias opiniões divergentes.
B) Com base em suas próprias
experiências, APRESENTE e JUSTIFIQUE a sua posição pessoal em
relação a esse mesmo provérbio.
Neste
item da questão 2, o candidato pode se posicionar a favor ou contra Hume em sua
argumentação. Não existe posicionamento correto, sendo que ambos, contra ou a
favor, devem estar baseados em argumentos filosóficos retirados do próprio
texto ou em outras fontes.
A favor da afirmação de que “Gosto se
discute”:
Concordo com Hume em sua afirmação de
que existe um padrão de gosto. Apesar de no início de seu ensaio ele
problematizar a favor do provérbio “gosto não se discute”, no decorrer de seu ensaio
ele apresenta sua verdadeira opinião de que existe um padrão de gosto. Tal
padrão está baseado no fato de que o objeto possui características que estão
destinadas naturalmente a gerar nos homens o mesmo sentimento, seja de prazer
ou desprazer, levando à beleza ou à deformidade. Desta forma, uma verdadeira
avaliação estética do objeto é possível, não havendo um relativismo em relação
à beleza ou deformidade do objeto, sendo inclusive possível dizer que uma
opinião ou juízo estético de alguém que não possui delicadeza de gosto é
absurda e ridícula.
Contra a afirmação de que “Gosto se
discute”:
Não concordo com a afirmação de Hume
de que gosto se discute, ou seja, me posiciono a favor da opinião do senso
comum e do ceticismo de que gosto não se discute. Se fosse possível estabelecer
um verdadeiro padrão de gosto capaz de dirimir qualquer discussão acerca da
beleza ou deformidade de um objeto, uma obra de arte, por exemplo, tal padrão
já deveria ter sido determinado. Tal padrão é impossível uma vez que os homens
tem opiniões, as mais variadas possíveis, acerca da beleza ou deformidade de um
objeto, o que ratifica na realidade e pela experiência prática de todos os
povos e tempos a ausência de um padrão. Desse modo, me posiciono a favor da
idéia de Hegel para quem a verdade e, obviamente o padrão de gosto, é
histórica, acompanhando o próprio desenvolvimento histórico da humanidade, ou
de Montaigne, para quem tudo é determinado pela cultura, sendo que a beleza
também é fruto de construção cultural de homens reais em tempos também reais.
Questão 03
Os filósofos têm procurado resolver
dilemas morais recorrendo a princípios gerais que permitiriam ao agente
encontrar a decisão correta para toda e qualquer questão moral. Na filosofia
moderna foram apresentados dois princípios dessa natureza, que podem ser
formulados do seguinte modo:
I -
Princípio do Imperativo Categórico: Age de modo que a máxima de tua ação
possa ao mesmo tempo se converter em lei universal
II -
Princípio da Maior Felicidade: Dentre todas as ações possíveis, escolha
aquela que produzirá uma quantidade maior de felicidade para os afetados pela
ação.
Imagine a seguinte situação:
Um trem desgovernado vai atingir cinco
pessoas que trabalham desprevenidas sobre os trilhos. Alguém observando a
situação tem a chance de evitar a tragédia, bastando para isso que ele acione uma
alavanca que está ao seu alcance e que desviará o trem para outra linha.
Contudo, ao ser desviado de sua trajetória, o trem atingirá fatalmente uma
pessoa que se encontra na outra linha. O observador em questão deve tomar uma
decisão que altera significativamente o destino das pessoas envolvidas na
situação.
Essa situação é típica de um dilema
moral, pois qualquer que seja a nossa decisão, ela terá implicações que
preferiríamos evitar. Considere os princípios morais I e II acima
e RESPONDA às seguintes questões:
A) Se o observador em questão fosse um
adepto do Princípio I ,ele deveria ou não alterar a trajetória do trem?
Como ele justificaria a sua decisão?
O
observador não deveria alterar a trajetória do trem. O Imperativo categórico
consta de um princípio pelo qual, racionalmente, é possível estabelecer os
princípios morais que constituirão a ação por dever, que deve ser absolutamente
desmotivada, denominada de lei moral. No caso hipotético acima, o pensamento do
agente deveria ser: desviar o trem de seu curso, mesmo que traga o mal de 5
pessoas, para trazer o mal de uma só pessoa, pode ser universalizado? Em outras
palavras: deixar de prejudicar mais pessoas para prejudicar somente uma pessoa
pode ser um princípio universalizável? Segundo Kant, a razão levaria à resposta
de que tal princípio não pode ser universalizado e se ele não pode ser tomado
como regra geral, tampouco o homem particular, o agente do caso hipotético
acima, deve tomá-lo como critério ou princípio moral de sua ação.
B) Se o observador em questão fosse um
adepto do Princípio II , ele deveria ou não alterar a trajetória do
trem? Como ele justificaria a sua decisão?
Sim, o observador
deveria mudar a trajetória do trem. Segundo o princípio utilitarista da maior
felicidade, que pode ser entendido também como “bom é aquilo que vai trazer
mais felicidade ou prazer para o maior número de pessoas”, a ação correta a ser
tomada seria a de desviar a trajetória do trem, pois com tal ação somente uma
pessoa seria afetada, garantindo a vida de outras cinco pessoas, o que
logicamente seria preferível dentro desta ética consequencialista. Deste modo,
o maior bem ou a maior felicidade estaria em garantir a vida de mais pessoas,
apesar do sacrifício de uma só vida.
Questão 04
No texto “Verdade e falsidade”,
capítulo 12 de Problemas da filosofia, de Bertrand Russell, o autor afirma
que “muitos filósofos têm sido levados a tentar encontrar uma definição de
verdade que não consista em uma relação com algo completamente exterior à crença”
– isto é, os filósofos têm procurado uma alternativa à teoria clássica da
verdade como correspondência com a realidade. Russell prossegue: “A mais
importante tentativa para uma definição desta espécie é a teoria segundo a qual
verdade consiste na coerência.”
Considerando o texto de Russell, e
também outros conhecimentos sobre o assunto:
A) APRESENTE a ideia central da
noção de verdade como coerência.
O critério
da coerência a qual Russell se refere é o apresentado por um grupo de filósofos
que afirmam que a coerência é o critério necessário para verificar a verdade ou
falsidade de uma crença. Segundo tal critério, a crença deve coerir com o corpo
de crenças do indivíduo. Neste caso, quando a crença é coerente com este corpo
de crenças, ou seja, ambas podem ser verdadeiras, este é o indício de verdade. Quando,
ao contrário, tal crença é incoerente com este corpo de crenças, que consiste
naquelas verdades ou idéias já presentes na mente do sujeito, tal é o indício
de falsidade. Neste caso, a coerente depende de uma qualidade intrínsecas à própria
idéia, não dependendo, como defende Russell, da completa correspondência da
crença com o fato.
B) EXPLIQUE pelo menos um dos
argumentos apresentados por Russell contra a noção de verdade como coerência.
Russell se
opõe claramente ao critério da coerência como critério da verdade. Segundo ele,
duas são as dificuldades para aceitar tal critério. A primeira consiste no fato
de mais de uma crença poderem ser coerentes, sendo que, ao contrário, não ser
possível aceitar mais de uma verdade sobre o mesmo fato. Seu primeiro exemplo é
o do romancista. Neste, Russell afirma que uma história fictícia pode ser
coerente com o corpo de crenças, mas isso não significa que a mesma seja
verdadeira. Também utiliza o exemplo da ciência e da filosofia. Ambas podem
apresentar várias idéias coerentes sobre o mesmo assunto ou fato, mas isso não
significa que todas elas sejam verdadeiras.
A outra
dificuldade consiste o fato de não sabermos o que é coerência. Aqui Russell
utiliza o exemplo das leis da lógica. Segundo ele, para verificarmos a coerência
de uma crença é necessário utilizar as leis da lógica, dentre elas a lei da
contradição (ou princípio da não contradição). É por meio deste principio que se
verifica se os juízos ou proposições são verdadeiras ou falsas, de modo que se
ambos são verdadeiros há verdade porque são coerentes. No entanto, se o próprio
princípio da contradição fosse colocado à prova pelo teste da contradição, e se
ele fosse supostamente tomado como falso, não haveria como identificar a coerência
de quaisquer outros juízos. Assim, Russell critica tal critério, a saber, o da coerência,
como princípio de verificação da verdade.