Pessoal, segue chave de correção da prova de filosofia do vestibular UFMG 2012.
RESOLUÇÃO DA PROVA DE FILOSOFIA
VESTIBULAR UFMG 2012
Prof. Richard Garcia Amorim
QUESTÃO
01
Leia
este trecho:
Os deuses de
fato existem e é evidente o conhecimento que temos deles; já a imagem que deles
faz a maioria das pessoas, essa não existe: as pessoas não costumam preservar a
noção que têm dos deuses. Ímpio não é quem rejeita os deuses em que a maioria
crê, mas sim quem atribui aos deuses os falsos juízos dessa maioria. Com
efeito, os juízos do povo a respeito dos deuses não se baseiam em noções inatas, mas em opiniões
falsas. Daí a crença de que eles causam os maiores malefícios aos maus e os
maiores benefícios aos bons. Irmanados pelas suas próprias virtudes, eles só
aceitam a convivência com os seus semelhantes e consideram estranho tudo que seja
diferente deles.
EPICURO. Carta sobre a felicidade (a Meneceu). Trad. de A.
Lorencini e E. del Carratore. São Paulo: Editora da UNESP, 2002. p. 25-27.
Com base na
leitura desse trecho e considerando outros elementos contidos na obra citada, EXPLIQUE
em que medida a representação que se faz dos deuses influencia na busca da
felicidade.
Segundo Epicuro, a felicidade verdadeira só é
possível ser alcançada quando se tem a Ataraxia, que significa a paz de
espírito ou a tranqüilidade da alma. Não há felicidade sem paz interior ou
tranqüilidade da alma. Dessa forma, se o homem tem uma falsa noção dos deuses,
acreditando que eles interferem em suas vidas trazendo “maiores malefícios aos
maus e os maiores benefícios aos bons” este homem se preocupa com os deuses, em
agradá-los, visando algum benefício, e também teme os deuses todo o tempo, uma
vez que eles poderiam conceder-lhe benefícios ou malefícios. É exatamente,
segundo Epicuro, estes falsos juízos que fazem o homem se angustiar, se
preocupar, temer os deuses, perdendo portanto sua paz de espírito, ou
tranqüilidade da alma, a Ataraxia, o que significaria não encontrar a
verdadeira felicidade. Segundo a doutrina epicurista, os deuses são
indiferentes aos homens, vivendo em uma outra dimensão que o filósofo denomina
de intermundo, sendo portanto inútil teme-los ou tentar agradá-los, sendo que a
atitude do sábio, aquele que alcança a felicidade, que não perde a
tranqüilidade da alma, seria a indiferença em relação aos deuses.
Comentários: Questão fácil. Comentei
exatamente esta ideia em minhas aulas. Somente duas das ideias mais importantes
da obra de Epicuro são necessárias para esta questão e que o candidato não
poderia ter dúvida sobre elas: o que é felicidade para Epicuro e porque o temor
dos deuses afasta o homem desta felicidade.
QUESTÃO
02
Leia este
trecho:
Eis por que,
talvez, daí nós não concluamos mal se dissermos que a Física, a Astronomia, a
Medicina, e todas as outras ciências dependentes da consideração das coisas
compostas são muito duvidosas e incertas; mas que a Aritmética, a Geometria, e
as outras ciências desta natureza, que não tratam senão de coisas muito simples
e muito gerais, sem cuidarem muito em se elas existem ou não na natureza,
contêm alguma coisa de certo e indubitável. Pois, quer eu esteja acordado, quer
esteja dormindo, dois mais três formarão sempre o número cinco e o quadrado
nunca terá mais do que quatro lados; e não parece possível que verdades tão
patentes possam ser suspeitas de alguma falsidade ou incerteza.
DESCARTES. Meditações, Meditação Primeira. Trad. de J. Guinsburg
e Bento Prado Júnior. São Paulo: Editora Abril Cultural, 1983. p. 87. (Os
Pensadores)
Nesse trecho, o
autor encontra nas matérias — aritmética e geometria — um conjunto de crenças
que, à primeira vista, resistem à sua resolução de se desfazer de todas as
antigas convicções, submetendo-as ao preceito metódico de tomar por falso tudo
o que não seja absolutamente indubitável. Por meio de uma suposição, entretanto,
Descartes será capaz de colocar em dúvida também as verdades matemáticas.
APRESENTE essa suposição.
A suposição do Deus enganador e do Gênio Maligno, o
terceiro e último passo da Dúvida Metódica.
EXPLIQUE por que tal suposição é necessária para se estender a dúvida
ao conhecimento matemático.
Descartes, convencido de que nenhuma ideia que não
seja clara e distinta, absolutamente indubitável, pode ser tomada como certa,
coloca todas as verdades em dúvida para buscar um “ponto fixo” que sustentasse
todo o seu novo edifício do saber. Duvidou primeiro das verdades fundamentadas
nos sentidos, depois da existência de si e do mundo com o argumento do sonho e
por fim das verdades matemáticas que, a
priori, não poderiam ser colocadas em dúvida de maneira alguma. A única
forma ou caminho de colocá-las em dúvida seria com a hipótese da existência que
um Ser superior, no caso Deus, sendo bom e querendo nos enganar (Deus
enganador) ou Maligno e Ardiloso (Gênio Maligno) que nos faz acreditar que
verdades como 2+3=5 e, no entanto, tal certeza não passa de um engano, apesar
desta ideia ser indubitável e evidente à razão humana. Descartes não teria como
duvidar de uma verdade matemática encontrando o fundamento da dúvida em si
mesmo, pois tais verdades não nascem dos sentidos (dúvida dos sentidos) e mesmo
que o homem esteja dormindo, estas verdades permanecem indubitáveis (argumento
do sonho), sendo portanto necessário buscar em outro lugar, no caso na figura
de Deus, considerado totalmente poderoso, o único caminho pelo qual seria
possível colocar as verdades matemáticas em dúvida.
Comentários: Questão fácil. Questão
comentada em minhas aulas. Por se tratar da 1ª meditação, ficou
ainda mais tranqüila. Pensei que a UFMG iria fazer uma questão bem mais exigente
do que esta sobre o texto de Descartes. Acredito que alguns candidatos possam
ter tido alguma dificuldade com o enunciado pelo fato pedir para explicar
porque a hipótese do Deus enganador e do Gênio maligno são necessárias para
colocar em dúvida as verdades matemáticas. Mas para aqueles que tinham um bom
conhecimento da 1ª meditação, que diz exatamente sobre a dúvida metódica e de
seus passos, não tiveram maiores dificuldades nesta questão.
QUESTÃO
03
Leia este
trecho:
Os pais
humanos, contudo, não apenas trouxeram seus filhos à vida mediante a concepção
e o nascimento, mas simultaneamente os introduziram em um mundo. Eles assumem
na educação a responsabilidade, ao mesmo tempo, pela vida e desenvolvimento da
criança e pela continuidade do mundo.
ARENDT, Hannah. A crise na educação. In: Entre o passado e o futuro.
Trad. de Mauro W. Barbosa. São Paulo: Editora Perspectiva, 2000. p. 235.
Nesse trecho, a
autora afirma que a tarefa da educação confronta o ser humano com uma dupla responsabilidade.
JUSTIFIQUE
por que, segundo a
autora, os homens modernos não têm sido capazes de assumir integralmente essa
dupla responsabilidade posta pela educação.
Para Hannah Arendt, a educação é a única maneira de
introduzir a criança no mundo, de modo que ela possa se tornar responsável por
ele, ainda que, de um lado, este mundo precise ser preservado (conservação do
mundo pela tradição) e por outro lado, precise ser constantemente renovado pela
presença do novo, representado pelos jovens que são nele introduzidos e nele
agem a partir do passado, para criarem o novo no presente, tendo em vista o
futuro, que é a conservação do próprio mundo.
Tal tarefa educacional cabe aos adultos, família e
escola (educadores), que têm em suas mãos uma dupla responsabilidade: pela
criança que deve ter sua vida preservada e desenvolvida. E também pelo mundo
que deve ser conservado à medida que as crianças que nele são introduzidas
assumem a responsabilidade por ele, de modo a trazer a novidade necessária à
sua continuidade.
Esta dupla responsabilidade tem sido
sistematicamente negada no mundo moderno. As crianças têm sido submetidas ao
mundo público de maneira precoce, uma vez que, de acordo com alguns preceitos
pedagógicos progressistas, foi criado um ‘mundo da criança’ e nele a criança
foi condenada a viver por conta própria, abandonada pelos adultos que deviam
protegê-la da vida pública, uma vez que ela não está preparada para tal. E por
outro lado, a negação da responsabilidade pelo mundo, tarefa por excelência dos
adultos, embora estes se neguem a assumir tal responsabilidade, rejeitando
qualquer tipo de autoridade (pelo ranço dos regimes totalitários tão criticados
pela filósofa), entendida como a legítima responsabilidade pelo mundo, pelo bem
comum, gerando então a crise da política, marcada essencialmente pela confusão
do mundo púbico com o mundo privado.
Comentários: Questão fácil. Outra questão
comentada em minhas aulas. Uma das ideias centrais do texto de Hannah Arendt.
Para aqueles que acharam esta questão difícil, veja que existiam tópicos muito
mais complicados na obra e que poderiam ser cobrados na prova. O foco da
questão é o que Hannah Arendt chama de crise da política que se manifesta na
crise da educação.
As duas ideias principais: a criança não
pode ser colocada no mundo público precocemente pois não está preparada e os
adultos não querem assumir a responsabilidade pelo mundo público, o que se
reflete também quando eles colocam as crianças em um mundo de crianças.
QUESTÃO 04
Um
argumento é válido quando é impossível suas premissas serem verdadeiras e sua
conclusão, falsa. A validade não depende do conteúdo das sentenças, mas apenas
da forma do argumento. Por essa razão, a lógica é chamada lógica
formal. Em outras palavras, a validade de um argumento não depende de as premissas
e de a conclusão dele serem, de fato, verdadeiras ou falsas. Portanto, ao se
apresentar um argumento, não basta que este seja válido. É preciso, também, que
ele seja correto. Um argumento é correto quando é válido e apresenta
premissas verdadeiras. Somente nesse caso, pode-se estar certo da
verdade da
conclusão.
Assinalando
a quadrícula apropriada, INDIQUE se você concorda, ou não, com estas
duas afirmativas.
1. Todo
argumento válido tem conclusão verdadeira.
[ ] Sim. [
] Não.
2. Nenhum
argumento correto tem conclusão falsa.
[ ] Sim. [
] Não.
JUSTIFIQUE cada uma de suas respostas.
1 – Não
Ao analisar a validade ou invalidade de
um argumento importa verificar se as regras de sua elaboração, a forma lógica
do argumento, estabelecida pela lógica formal, foi atendida e não se este
argumento apresenta proposições verdadeiras ou falsas. Isto significa que para
que um argumento seja válido, não importa se o mesmo é verdadeiro ou falso,
importa somente se sua forma lógica está válida. Portanto, pode-se afirmar que
nem todo argumento válido tem conclusão verdadeira.
2 – Sim
Um argumento, para ser considerado
correto, deve ao mesmo tempo ser válido (atender as regras da lógica formal) e
ser verdadeiro (suas proposições devem ter valor de verdade). Desta maneira,
pode-se afirmar que nenhum argumento correto tem conclusão falsa.
Comentários: Todos já esperavam uma questão de lógica. Questão muito fácil. A
UFMG pretendeu inovar com uma questão de lógica com formato diferente, mas avalio como uma inovação
mal sucedida. Para responder, bastava que o candidato soubesse o que é
validade, verdade e argumento correto, conceitos que estão expressos no próprio
enunciado da questão. Questão para tirar 20 pontos, sem desculpas!